A Sombra do Vento ...Julián Carax(Retirado de A Sombra do Vento-Carlos Ruiz Zafón)
Nunca tinha ouvido mencionar aquele título ou o seu autor, mas não me importou. A decisão estava tomada. Por ambas as partes. Peguei no livro com extremo cuidado e folheeio, deixando esvoaçar as suas páginas. Libertado da sua cela na estante, o livro exalou uma nuvem de pó dourado. Satisfeito com a minha escolha, voltei pelo mesmo caminho ao longo do labirinto levando o meu livro debaixo do braço com um sorriso impresso nos lábios. Talvez a atmosfera feiticeira daquele lugar tivesse levado a melhor sobre mim, mas tive a certeza de que aquele livro tinha estado ali à minha espera durante anos, provavelmente desde antes de eu nascer. Naquela tarde, de volta ao andar da Rua Santa Ana, refugieime no meu quarto e decidi ler as primeiras linhas do meu novo amigo. Antes que me apercebesse, tinha caído dentro dele sem remédio. O romance relatava a história de um homem em busca do seu verdadeiro pai, que nunca tinha chegado a conhecer e cuja existência só descobriria graças às últimas palavras que a mãe pronunciava no seu leito de morte. A história daquela busca transformavase numa odisseia fantasmagórica na qual o protagonista lutava por recuperar uma infância e uma juventude perdidas, e na qual, lentamente, descobríamos a sombra de um amor maldito cuja lembrança o havia de perseguir até ao fim dos seus dias. À medida que avançava, a estrutura do relato começou a lembrarme uma daquelas bonecas russas que contêm inumeráveis miniaturas de si mesmas no interior. Passo a passo, a narração decompunhase em mil histórias, como se o relato tivesse penetrado numa galeria de espelhos e a sua identidade se cindisse em dúzias de reflexos diferentes e ao mesmo tempo um só. Os minutos e as horas deslizaram como uma miragem.
Horas mais tarde, aprisionado pelo relato, mal dei pelas badaladas da meianoite na catedral a repicar ao longe. Enterrado na luz de cobre que o candeeiro flexível projectava, mergulhei num mundo de imagens e sensações como nunca as tinha conhecido. Personagens que se me afiguraram tão reais como o ar que respirava arrastaram me para um túnel de aventura e mistério do qual não queria escapar. Página a página, deixei me envolver pelo sortilégio da história e pelo seu mundo até que o sopro do amanhecer acariciou a minha janela e os meus olhos cansados deslizaram pela última página. Deitei me na penumbra azulada do alvorecer com o livro sobre o peito e escutei o rumor da cidade adormecida a gotejar sobre os telhados salpicados de púrpura. O sonho e a fadiga batiam à minha porta, mas resisti a renderme. Não queria perder o feitiço da história nem dizer adeus ainda às suas personagens. Numa ocasião ouvi um cliente habitual comentar na livraria do meu pai que poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que realmente abre caminho até ao seu coração. Aquelas primeiras imagens, o eco dessas palavras que julgamos ter deixado para trás, acompanhamnos toda a vida e esculpem um palácio na nossa memória ao qual, mais tarde ou mais cedo não importa quantos livros leiamos, quantos mundos descubramos, tudo quanto aprendamos ou esqueçamos , vamos regressar. Para mim aquelas páginas enfeitiçadas serão sempre as que encontrei entre os corredores do Cemitério dos Livros Esquecidos.
Horas mais tarde, aprisionado pelo relato, mal dei pelas badaladas da meianoite na catedral a repicar ao longe. Enterrado na luz de cobre que o candeeiro flexível projectava, mergulhei num mundo de imagens e sensações como nunca as tinha conhecido. Personagens que se me afiguraram tão reais como o ar que respirava arrastaram me para um túnel de aventura e mistério do qual não queria escapar. Página a página, deixei me envolver pelo sortilégio da história e pelo seu mundo até que o sopro do amanhecer acariciou a minha janela e os meus olhos cansados deslizaram pela última página. Deitei me na penumbra azulada do alvorecer com o livro sobre o peito e escutei o rumor da cidade adormecida a gotejar sobre os telhados salpicados de púrpura. O sonho e a fadiga batiam à minha porta, mas resisti a renderme. Não queria perder o feitiço da história nem dizer adeus ainda às suas personagens. Numa ocasião ouvi um cliente habitual comentar na livraria do meu pai que poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que realmente abre caminho até ao seu coração. Aquelas primeiras imagens, o eco dessas palavras que julgamos ter deixado para trás, acompanhamnos toda a vida e esculpem um palácio na nossa memória ao qual, mais tarde ou mais cedo não importa quantos livros leiamos, quantos mundos descubramos, tudo quanto aprendamos ou esqueçamos , vamos regressar. Para mim aquelas páginas enfeitiçadas serão sempre as que encontrei entre os corredores do Cemitério dos Livros Esquecidos.
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